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Plástica tipo exportação Associando a beleza e a preocupação com a aparência ao amplo conceito de saúde, o médico Endrigo Piva Pontelli destaca a importância da Cirurgia Plástica para a sociedade contemporânea
Graduado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), especialista em Cirurgia Plástica pela AMB/MEC e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, além de criador do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Estadual de Ribeirão Preto, o cirurgião plástico Endrigo Piva Ponteli discorre com propriedade sobre a área, apontando avanços e tendências e avaliando as motivações que trazem muitas pessoas da região, de outros estados e até estrangeiros para Ribeirão Preto, em busca desta prestação de serviço diferenciada de saúde, que coloca o Brasil na liderança do segmento, junto com os EUA.
Quais motivos o levaram a seguir pelo caminho da Cirurgia Plástica?
Endrigo: Aos 16 anos é difícil escolher o que fazer pelo resto da vida, mas aceitei o desafio de enfrentar o vestibular para Medicina. Esperava mais compreensão dos meus pais se não passasse, por ser sempre o mais concorrido, mas acabei entrando direto em cinco grandes faculdades públicas e optei pela FMRP-USP. A cirurgia plástica aconteceu por exclusão, mas sempre gostei de todas as áreas da Medicina. Durante a graduação quis ser pediatra, ginecologista, cardiologista, geriatra e pesquisador. Quando optei por cirurgia, no início da residência, a cirurgia reconstrutiva chamou muito minha atenção — presenciei alguns pacientes com deformidades gravíssimas passarem por mudanças incríveis —, mas acabei naturalmente voltando-me para a Cirurgia Plástica.
Alguma história marcante do período de residência influenciou a escolha?
Brinco que a residência em Cirurgia Geral é algo como ilustra o filme Tropa de Elite. Você entra um menino e sai um homem. Imagine a cena: você sai da graduação recém-formado, inexperiente e, de repente, vê-se sozinho em um hospital de urgências de nível terciário, tendo que lidar com todo tipo de emergência: esfaqueado, baleado, acidentado, úlcera perfurada, sangramento digestivo, entre tantos outros casos. Sem contar a privação de sono e as condições de estresse com que convivem os residentes diariamente. Ali se aprende a ser médico. Em dois anos de residência, tive contato com muitos pacientes na unidade de queimados do Hospital das Clínicas, mas sempre tocava muito a equipe quando aparecia uma criança vítima de um acidente doméstico. Houve casos belíssimos de pacientes gravíssimos, que devido à dedicação de toda equipe, saíram com cicatrizes, mas vivos.
Na sua avalição, qual a principal função da especialidade?
A principal função da Cirurgia Plástica é melhorar a saúde da pessoa, como em todas as outras especialidades. Avaliando a saúde de um ponto de vista amplo — do bem-estar biopsicossocial, como definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) —, a beleza e a aceitação social fazem parte da saúde física e mental da pessoa. Na maioria dos casos, o impacto de uma deformidade que incomoda é negativo e prejudicial à saúde emocional, à autoconfiança. Assisto todos os dias mulheres e homens, jovens, adultos e idosos saírem com a autoestima completamente modificada após a cirurgia. Desculpe-me quem classifica a cirurgia plástica como meramente estética, mas, para mim, essa mudança comportamental prova que se trata de melhorar a saúde das pessoas. A definição do que é estético ou reparador é muito subjetiva e a própria Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica não faz distinção. A única pessoa capaz desse julgamento é o próprio paciente.
O Brasil continua sendo um dos países que lideram o ranking de procedimentos plásticos?
Sim. Em números absolutos o Brasil é hoje o segundo do mundo, só atrás dos Estados Unidos. Em número per capta, pelo tamanho da população, ultrapassamos os Estados Unidos. Isso se explica por vivermos em um país de clima tropical, onde, naturalmente, o corpo fica mais exposto. Além disso, culturalmente, o brasileiro é um povo bonito, miscigenado e, por isso, as pessoas querem aparentar beleza. Há, ainda, o fato dos procedimentos estarem mais acessíveis para a população do que há 20 ou 30 anos, quando, em função do alto valor, estavam restritos à elite.
Qual a motivação comum aos pacientes que buscam a cirurgia plástica?
São as mais diversas motivações que levam a pessoa para a cirurgia plástica, mas a maioria busca ficar bem consigo mesma, sentir-se melhor. O procedimento que mais realizo é a plástica mamária, seja a colocação de implante, o levantamento ou a redução de mama. Definitivamente, as mulheres entre 20 e 40 anos querem peitos bonitos. Em seguida, abdômen, que pode ser abdominoplastia ou lipoaspiração de abdômen. Na abdominoplastia fazemos uma incisão para a remoção do excesso de pele (barriga flácida) e a correção da frouxidão muscular, causada na musculatura dos retos abdominais em função da obesidade ou da gestação. Já na lipoaspiração, que pode ser associada à abdominoplastia ou feita de maneira isolada, tiramos a gordura através de uma incisão na pele. A “gordura localizada” é retirada da camada de pele, sem que a pele seja removida. Não se tira a “gordura profunda”, chamada gordura visceral. Por fim, a partir dos 50 anos, as pessoas também buscam por plásticas de levantamento de pálpebra e rejuvenescimento facial.
É possível identificar um perfil médio dos brasileiros que realizam plástica?
Sim. Grande parte ainda corresponde a mulheres com idade entre 25 e 40 anos, com uma ou duas gestações. Os homens, no entanto, estão cada vez mais presentes e colaborativos. A ideia de que homem tem medo e preconceito com a cirurgia está no passado. Estou para dizer que até dão menos trabalho do que as mulheres (risos). Eles procuram, principalmente, lipoaspiração, cirurgia de nariz e orelha de abano. Estão cada vez mais presentes no consultório, buscando se cuidar, principalmente, na faixa etária dos 25 aos 35 anos. Muitos vêm acompanhados das esposas ou namoradas, que os incentivam. Isso também coloca por terra o estigma de que só homossexuais procuram a cirurgia plástica. Hoje, todos a encaram com muita naturalidade, mesmo homens acima dos 55 anos, em busca de cirurgia de pálpebras e de rejuvenescimento facial.
As características sociais contemporâneas levam as pessoas a supervalorizarem a imagem e a perderem o medo da cirurgia plástica?
Antes, as pessoas eram avaliadas pela condição de ser (rei, conde, nobre, etc); depois passaram a ser avaliadas pelo ter (uma fábrica, uma indústria, uma fazenda, etc); atualmente, são avaliadas pelo parecer. A sociedade atual leva muito em conta as aparências, mais do que ser ou ter. Acho este conceito extremamente equivocado, mas é nossa realidade. Por isso, as pessoas procuram muito pela aparência, pela beleza que a cirurgia plástica pode proporcionar. Isso não acontece só no Brasil, já operei pacientes praticamente do mundo inteiro. O Brasil é um polo de cirurgia plástica reconhecido internacionalmente, além de a cirurgia ser mais acessível em relação a outros países. Enquanto nos Estados Unidos, um procedimento custa US$ 20 mil, aqui custa em torno de R$ 10 mil. Brinco que o paciente vem ao país, passeia, faz compras, paga a cirurgia e ainda volta para seu país com troco (risos). Da América do Sul, já operei pessoas de praticamente todos os países. Também já recebi pacientes dos Estados Unidos, da Alemanha, do Japão, da Austrália, de Israel, da Ucrânia e da Angola. Normalmente, fazemos uma pré-avaliação por Skype. Depois, os pacientes formalizam tudo presencialmente e operam. Acontece tanto de brasileiros que moram no exterior virem para Ribeirão Preto especialmente para a cirurgia quanto de estrangeiros, que escolhem o Brasil porque não teriam condições de realizar esse sonho em seus países de origem. É muito frequente, todo mês recebemos pacientes de diversos países do mundo.
Há um limite para as interferências na aparência?
O do bom senso — um dos piores conceitos que existem, porque todo mundo imagina que tem; conhece alguém que afirma não ter bom senso? Hoje, a cirurgia plástica considerada bonita é a sutil, que não leva a exageros e a estigmas. Aquela que não deixa as mamas chegarem antes da pessoa ou que não torna o rosto do paciente uma reprodução de boneca de cera. O médico precisa dizer “não” quando percebe que a pessoa passou do ponto, como quem já está com o rosto esticado e bonito e quer esticar ainda mais ou já tem um lábio carnudo bonito e quer aumentar ou, ainda, quem já tem um peito no limite do vulgar e deseja dobrar o tamanho. Eu digo que não vou operar. O problema é que, no dia seguinte, a pessoa vai na esquina e encontra quem faça. Um dos maiores dilemas científicos associados à cirurgia plástica é a avaliação subjetiva associada a ela, afinal, o que é o belo? O que é bonito?
É alta a procura por pacientes com transtorno de gênero?
Atendo a muitos pacientes com transtorno de gênero, nos dois sentidos, tanto homens que desejam colocar silicone quanto mulheres que querem retirar as mamas. Algo que chama a atenção nestes pacientes é que são, na maioria, pessoas extremamente bem resolvidas. Percebe-se na anamnese que não há dúvida de que seja um homem aprisionado no corpo de uma mulher ou vice-versa. Quando fazem a cirurgia, seu nível de realização, de satisfação com a mudança, é muito maior do que o paciente que não possui o transtorno de gênero. Muitas vezes, chegam menores de idade querendo operar e não podemos, ou precisamos de uma ordem judicial, com avaliação psicológica ou psiquiátrica. Sou um cirurgião com grande experiência na área de transtorno de gênero do Brasil, principalmente, de mulher fazendo a mastoplastia masculinizadora. Recebo pacientes de todas as partes do país buscando mudar suas vidas e, finalmente, se sentirem realizados e plenos no próprio corpo, não mais aprisionados no corpo com gênero errado.
Existe algum cuidado especial nestes casos?
Por ser algo relativamente novo, o procedimento ético ainda é muito discutido. Há pacientes que chegam com tudo pronto, com nome mudado na justiça, acompanhamento médico, carta de psicólogo ou psiquiatra. Outros chegam praticamente sem nada, então, precisamos ter alguns cuidados: recomendamos uma avaliação psicológica ou psiquiátrica, onde se diagnostique de maneira indubitável o transtorno de gênero. Também recolhemos uma autorização por escrito do paciente e de algum familiar próximo. Nunca tive problemas, inclusive porque aviso na consulta que o procedimento é irreversível. Depois posso até colocar silicone de volta, mas não será possível amamentar um filho, por isso, precisamos que a pessoa se identifique com o transtorno de gênero há, pelo menos, dois anos. Outro cuidado é não operar menores de idade sem ordem judicial.
Qual é a faixa etária dos pacientes com transtorno de gênero que buscam a cirurgia?
Pessoas em torno de 20 a 25 anos, que estão na fase da descoberta da sexualidade, mas já se sentem incomodadas desde a puberdade. A partir dos 12 ou 14 anos já não conseguem se identificar com o próprio corpo. Muitos começam a fazer reposição hormonal de forma clandestina e chegam ao consultório com mais pelos e barba do que eu. Algo que chama minha atenção na entrevista com essas pessoas que têm certeza é que, quando questionadas desde quando não se identificam com o corpo, respondem naturalmente que “desde sempre”. Sentem-se estranhos e muito incomodados desde a infância, e quando se tornam maiores de idade veem a possibilidade de se libertar. Recebo muitos menores acompanhados dos pais. Recentemente, um caso me surpreendeu: uma família de Franca em que o filho, de 19 anos, foi acompanhado dos pais e da irmã adolescente. Era uma mulher com transtorno para o masculino e todos conversavam naturalmente, tratando-a como homem, dando total apoio. Fiquei feliz com a maturidade de todos, um comportamento incrível, digno de ser admirado e respeitado.
Além dos procedimentos cirúrgicos, quais outros tratamentos um cirurgião plástico realiza?
Hoje em dia as pessoas procuram procedimentos que oferecem rápido retorno às atividades habituais e ao trabalho. Ninguém mais pode passar meses em repouso, sem fazer nada e sem trabalhar. Nossa sociedade não permite, por isso, realizamos cada vez mais procedimentos cirúrgicos “minimamente invasivos”, com rápida recuperação, como minilipo, bichectomia, cirurgia de pálpebras, entre outros. A grande maioria é feita somente com anestesia local, na própria clínica. Há também os chamados “procedimentos ancilares”, que não são procedimentos cirúrgicos propriamente ditos, mas são executados com maestria pelos cirurgiões plásticos, como aplicação de Toxina Botulinica (Botox), peelings, laser de CO2 e outros tipos de laser, preenchimentos e volumizadores faciais e fios de sustentação facial. Todos eles objetivam rejuvenescer, mas, para saber qual é o melhor para cada caso, sempre é necessário fazer avaliação prévia com um cirurgião. Muitas vezes, a associação desses tratamentos é necessária para o melhor resultado.
O que você diria para alguém de deseja fazer um tratamento de cirurgia plástica e tem medo?
Primeiro, parabéns por ter medo. Isso significa que a pessoa entende que este é um tratamento cirúrgico e apresenta os riscos de qualquer cirurgia. Não é um corte de cabelo. Segundo, a decisão em realizar a cirurgia deve ser tomada quando o desconforto superar o medo. Este é o ponto principal. Outro ponto importante é sempre optar pela cirurgia por si próprio, e não em função do casamento, do namoro, de amigos ou da sociedade. Trata-se do seu corpo, da sua recuperação, de suas cicatrizes. Informe-se e entenda tudo sobre seu caso. Por fim, procure um bom profissional, credenciado na Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e faça o procedimento em ambiente seguro e estruturado. Tenha empatia e segurança com seu cirurgião, não acredite em milagres e não crie ideias fantasiosas sobre o resultado esperado. Respeitando e entendendo todas essas etapas, o paciente tem tudo para ficar satisfeito.
Fonte: www.revide.com.br
Texto: Yara Racy
Fotos: Ibraim Leão